Putin não é herói nem monstro, e o Ocidente não é o mocinho da História. Veja os dois lados do conflito.
Por Francisco Câmpera*
Um tanque russo passou covardemente em cima de carro civil. Corta a cena e, de repente, aparecem imediatamente forças ucranianas salvando o motorista idoso. Fato: apesar de ser amplamente divulgada na mídia, o tanque era ucraniano. O vídeo completo, sem cortes, mostra que foi provavelmente foi um acidente.
A mentira sempre foi uma arma poderosa nas guerras, e hoje não é diferente. É muito mais sofisticada com a manipulação tecnológica de imagens e vídeos. Exemplos de fake news não faltam neste conflito, afinal, está em jogo a hegemonia econômica e militar do mundo. A Europa não brinca em serviço. A União Europeia proibiu a veiculação nos países do bloco dos meios de comunicação estatais russos “Russia Today” e “Sputnik, para tentar garantir a divulgação de só um lado da história. Estas publicações estão em vários idiomas, inclusive em Português.
Antes da explosão da internet, era mais fácil manipular a opinião pública. Basta lembrar da invasão dos Estados Unidos, em 2003, contra o antigo aliado, Saddam Hussein, no Iraque. Foi baseada numa fake news de que o ditador teria determinadas armas químicas, mentira que foi comprovada anos depois.
Aliás, assim como Iraque, os Estados Unidos com o apoio da Europa invadiram a Líbia, Síria, e Afeganistão, destruindo os países que até hoje não se recuperaram, viraram uma indústria do terrorismo, e causaram uma das maiores crises de imigração na Europa. Lembram daquela criança síria boiando no Mediterrâneo de uma família refugiada? Não aconteceram protestos pelo mundo afora como se vê agora.
O mais desastroso de todos foi o Afeganistão, depois de derrubar o Talebã, o atual presidente dos EUA, Joe Biden, abandonou o país de forma desastrada, deixando-o justamente para o mesmo grupo terrorista, que abusa e mata mulheres e mantém o povo refém de seu radicalismo. Apesar das atrocidades contra estes povos, a opinião pública ocidental não reagiu como no caso da Ucrânia.
Porém, o que se trata agora não é quem razão. Aliás, a guerra sempre é própria anti-razão, uma derrota da humanidade. Os dois lados têm os seus argumentos para se defender, especialmente a Rússia. Mas este conflito trata-se da velha ganância do ser humano de domínio sobre os outros povos, através do poder econômico e militar. O primeiro round foi vencido pelo Ocidente junto com as maiores corporações bancárias do ocidente, que estão aproveitando para moldar um novo sistema financeiro mundial. Porém, no meio do caminho tem a Rússia de Putin e o Dragão chinês. A Ucrânia é apenas a vítima da vez.
O que se propaga na mídia é o expansionismo e truculência de Wladimir Putin, mas existe o outro lado da história. Vamos começar pela era contemporânea com as guerras napoleônicas, onde o então Imperador da Europa invadiu a Rússia. Desde então, a Europa enfrentou guerras de todos os tipos, internas nos países, entre eles, e fora do continente nas disputas pelas colônias.
A guerra, aliás, está na história e no sangue russo, que sempre teve que lutar para sobreviver a invasões e aos czares e déspotas comunistas. Na Segunda Guerra Mundial não foi diferente, Hitler também invadiu a Rússia, que ganhou a guerra ao custo da morte de 20 milhões de soviéticos. Ironicamente, graças ao regime comunista assassino de Stálin, que a Europa hoje é livre e democrática, mas com os mesmos propósitos de domínio de sempre. Hoje se sabe que grandes empresas europeias e até americanas financiavam Hitler, com propósitos que incluíam a destruição da antiga URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas). Quando os aliados entraram na Normandia, na França, Stálin já tinha praticamente aniquilado as melhores tropas de Hitler.
A URSS estava no auge do poder e prestígio no fim da guerra, em1945, e chegou melancolicamente ao fim em 1991, dividida em 15 repúblicas, algumas delas com mistura entre povos e poderio nuclear. É o caso da Ucrânia, que fabricava material bélico, como mísseis e tinha, e ainda tem, tecnologia nuclear. Basta lembrar que a famosa Chernobyl, que está localizada lá na Ucrânia e causou a maior explosão de uma usina nuclear da história. Desde então, a Rússia, Europa e Estados Unidos, fizeram diversos acordos de desarmamento, que envolvia a promessa da OTAN(Organização do Tratado do Atlântico Norte) não se expandir para os antigos países da antiga União Soviética. Em 1994, outro acordo estabeleceu que todas as armas nucleares da extinta URSS ficariam com a Rússia, que em troca assumiria as dívidas dos antigos países do bloco comunista. Em 2004, o próprio Putin como presidente assinou um acordo reconhecendo as fronteiras da Ucrânia.
Porém, os líderes ucranianos, legitimamente, queriam se desvencilhar da influência russa, e se juntar à comunidade europeia, passando a ter relações econômicas cada vez maiores. O problema começa com o namoro entre a Ucrânia com a Otan, que aos poucos vem armando e associando à organização os vizinhos de Putin. O presidente russo já disse diversas vezes que o Ocidente enganou a Rússia e tenta impor à Otan em suas fronteiras.
O pior foi quando o atual Presidente da Ucrânia é eleito, Voldimir Zelensky, e irresponsavelmente começa a defender que o seu país tenha as suas próprias armas nucleares. Além disso, ele se juntou com nacionalistas radicais e passou a combater e matar milhares de russos nas regiões onde eles são maioria, como Donbass. O que já era tenso chegou a uma situação sem retorno. A eleição de Zelensky foi o que faltava ao Ocidente para emparedar de vez Wladimir Putin.
Se Europa de fato quisesse a paz, bastaria conter o expansionismo da OTAN. Se o presidente da Ucrânia quisesse paz, bastaria declarar neutralidade, mas ele não só tomou posição a favor da OTAN, como deixou claro que iria armar as suas Forças Armadas à altura para enfrentar a Rússia. Putin tentou negociar, claro, à sua moda impondo as suas condições, mas como foi ignorado o tempo todo, não restaram muitas opções como afirmou o líder da China, Xi Jinping. Os chineses, aliás, que vinham sendo emparedados pelos Estados Unidos e seus aliados em outras questões que envolvem a Ásia, acabaram firmando uma aliança militar com a Rússia e, recentemente, promoveram exercícios militares em conjunto. Os geniais estrategistas europeus e americanos conseguiram unir duas potências nucleares e militares. O circo está armado para a terceira guerra mundial. E o palhaço da história é Zelensky. A responsabilidade está agora na mão de todos os personagens envolvidos, principalmente do atual peão do tabuleiro, o Presidente ucraniano.
Agora, sob o ponto de vista dos Estados Unidos, imagina se Putin armasse o Canadá e México e formasse com eles uma aliança militar, certamente os americanos iriam reagir. Aliás, foi o que aconteceu há quase 60 anos, quando a União Soviética instalou,na Cuba de Fidel Castro, mísseis nucleares apontados para Washington, em represália aos mísseis também apontados para Moscou pela Turquia, separada da Rússia apenas pelo Mar Negro. Ironicamente naquele caso o líder soviético era Nikita Krushchov, que, antes de substituir Josef Stálin no cargo máximo da URSS, foi o carrasco dele na Ucrânia. Krushchov era o chefe do Partido Comunista no país, de 1938 a 1949, e governava com mão de ferro, levando mais de um milhão de ucranianos à morte pela fome após a Segunda Guerra.
Nesta famosa Crise dos Mísseis em 1962, os Estados Unidos,tinha um dos maiores estadistas de sua história e talvez do mundo, John F. Kennedy. Ele fez um acordo com a URSS para a retirada dos mísseis russos em Cuba, e das mesmas armas dos americanos na Turquia. Apesar do bruto Krushchov, o acordo foi fechado. Coincidência ou não, um ano depois Kennedy foi assassinado, e o líder soviético foi destituído do cargo vitalício, em 1964. Muitos historiadores afirmam que o destino dos dois foi selado porque buscaram uma solução pacífica. O establishment militar dos dois lados queria a guerra. Agora em 2022 não é diferente.
Putin incomoda o Ocidente porque tirou a Rússia do limbo que se encontrava e a transformou de novo numa potência militar e está crescendo economicamente, especialmente com a dependência da Europa pelo gás que exporta. A Rússia é disparada o maior produtor do mundo de gás e segundo em petróleo. Antes de Putin, nos anos 90, durante a era do ex-presidente da Rússia, Boris Yeltsin, a máfia dominava o país. Havia tiroteio entre as gangues em plena luz do dia nas principais ruas de Moscou. O país estava se esfacelando entre mafiosos russos, ações de terroristas dos ex-países da União Soviética, separatistas, e venda clandestina de armas nucleares. A riqueza do país, petróleo e gás, fugia das mãos dos russos. Putin acabou com a festa com mão de ferro. Hoje, a segurança interna é exemplar, um terrorista ou estuprador vai pensar duas vezes antes de cometer um crime porque sabem que não vão viver se forem pegos.
Para quem conhece a Rússia, sabe que eles preferem a morte do que a volta do comunismo. Toda família tem uma história triste de perseguição, pobreza e morte durante o regime ditatorial. Portanto, não é uma guerra entre o comunismo e o capitalismo, é a velha história mesquinha da humanidade em busca de hegemonia e poder.
Ousados, os aliados do Ocidente apostaram alto ao emparedar Putin com o seu novo peão. O fato é que Zelensky colocou a vida de sua população em perigo, e levou o seu país à destruição. A Rússia já praticamente aniquilou a infraestrutura militar. No quarto dia no que eles chamam de Campanha de Desmilitarização, já destruíram mais de mil alvos militares. No meio do caminho centenas de vidas de civis foram perdidas e sabe-se lá quantas mais serão mortas neste jogo imoral. Não precisa ser especialista em estratégia militar para saber que não se coloca na parede uma potência nuclear. A Europa pressionou ao máximo e a resposta de Putin foi imediata ao colocar as forças nucleares em alerta máximo. A pressão que ele recebe da Otan não é menor do que do seu establishment militar e político. Certo ou errado, está claro que, pelo histórico de Putin, que ele é um líder que não blefa.
Nesta altura dos acontecimentos é perda de tempo discutir as razões de cada um. Ambos têm as suas verdades! Agora é hora de buscar soluções, não discussões. Numa situação comum, as potências já estariam negociando um desfecho pacífico e não este teatro para os eleitores, colocando o mundo em risco ao transformar a possibilidade real de uma Terceira Guerra Mundial nuclear.
O líder da França contra Hitler, General Charles de Gaulle, tentou resistir à adesão de seu país na Otan, mas acabou cedendo. Ele já dizia no final da década de 40 que a Europa iria se tornar uma marionete na mão da então nova potência mundial, os Estados Unidos. O atual jogo da hegemonia mundial passa pela manutenção do poder dos atores de plantão. O presidente dos EUA, Joe Biden, o francês Emmanuel Macron, e o Primeiro-Ministro inglês, Boris Johnson, penam com a baixa popularidade e temem as próximas eleições. O que eles vão fazer daqui adiante vai definir se eles vão continuar no poder e o tamanho de cada um na história. Tomara que encontremos entre eles estadistas à altura como Kennedy, o inglês Winston Churchill, ou até recentemente a alemã Ângela Merkel.
Nesta história não há bandidos e mocinhos, a paz depende de todos os personagens envolvidos. Goste-se ou não de Putin, ele definitivamente não é o único responsável por esta guerra, que pode desencadear para um desfecho nunca visto na história, como ele próprio diz. Se tiver uma guerra nuclear, pode ser o fim da humanidade! Talvez jamais vamos saber os reais interesses das nações, e das grandes corporações, principalmente de setores bancários, que teimam em dominar o sistema financeiro mundial. Sempre alguém sai ganhando com a guerra, que é o pior caminho para os povos, trazendo sofrimentos e perdas irreparáveis, que deve ser evitada ao máximo. Eu mesmo conheço famílias formadas por russos e ucranianos já começaram a brigar e se separar. Toda guerra traz milhares de tragédias particulares irreparáveis.
Os líderes mundiais sempre decidem o nosso destino à nossa revelia, sempre fomos meras peças neste milenar tabuleiro pela disputa pelo poder. Porém hoje pelo menos temos a oportunidade, nem que seja uma mínima chance, de mudar o rumo dos acontecimentos, ao nos manifestar pela internet e pressionar as autoridades. Podemos utilizar as redes sociais e outros meios positivamente, ao não divulgar fake news, não estimular ódio, não julgar e fazer acusações a esmo, mas sim propagar a paz, e porque não o amor, buscando a todo custo o entendimento e a sensatez entre os poderosos e os povos.
*Francisco Câmpera, jornalista com especialidade em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e extensão em Política e Economia Internacional pela SNU, Coréia do Sul. Morou em Moscou nos anos 90 e desde então visita a Rússia e Ucrânia.