Por Leandro Mazzini *
Foi-se o tempo em que, de posse da caneta esferográfica dentro de um cubículo de papelão, o eleitor sentia-se livre para manifestar suas fantasias eleitorais — mesmo que elas não lhe valessem o sacrifício de sair de casa para escolher um candidato. Então, ciente de que só um santo concebe um milagre e que é impossível a presença de um político metafísico neste mundo, o cidadão não titubeava em rabiscar a cédula: “Deus para presidente!”
Isso, quando não chateado pela consumação de um feriado sem graça, mandava todos os postulantes— a qualquer cargo que fosse — para um lugar comum, menos para os palácios de governo tão almejados. Ou, menos afoito e mais camarada, dava a bênção sem exceção: “Deus ama todos vocês!” E, quando confuso com tantos números a decorar, mandava um “Deus salve o país!”
É evidente que a implantação da urna eletrônica no pleitos não foge à democracia. Tem-se o direito ao voto — agora pelo teclado — ou à justificativa da ausência dele, mas a máquina cheia de números suprime, de certa forma, a liberdade de pegar em uma caneta e opinar no papel sobre a postura de um candidato. Mandar alguém para Brasília, democraticamente, ou para o Afeganistão, discretamente.
Era através da apuração dos votos que um mesário, por exemplo — quando não a mídia — sabia de fato como um político era amado ou odiado. Ali sim, à sua frente, os inúmeros rabiscos denunciavam as verdadeiras pesquisas de rejeição a determinado nome.
A nova urna ganhou seu espaço. Os grotões, há pouco tempo, tinham o resquício da cédula e a esperança de um contato com o ser superior. O teclado os priva dos “palavrões”, mas, no fim, quem ganha é Deus. Ele será poupado.
* Leandro Mazzini é jornalista e escritor, editor da Coluna Esplanada.
Crônica extraída do livro “Corra que a política vem aí!“ (Litteris Editora), 70 pág.
Capa e charges de Aliedo
Prefácio de Carlos Heitor Cony
Apresentação de Murilo Melo Filho