Foi uma empresa de turismo brasileira quem entregou à polícia o golpista viajante. O esquema que durou dois anos era tão perfeito que só uma coincidência associada a uma pequena falha no sistema levou à prisão Douglas Augusto de Lima Santos, 21. E apesar das voltas que deu ao mundo usando seriais roubados de cartões de crédito de multinacionais, levou uma volta do destino: a vítima do golpe da semana passada era um empresário paulistano.
‘Doutor, não tinha por que dar errado’, confessou Douglas ao delegado Ailton Rodrigues, da 5ª DP de Brasília, após detido em flagrante num hotel de luxo da capital. Mas deu. Hacker de primeira linha, estudante de Tecnologia da Informação numa universidade dos Estados Unidos, onde morava, Douglas descobriu como usar a internet para roubar números sequenciais de cartões de crédito das multinacionais, utilizados para pagamentos de despesas com viagens de seus executivos.
O jovem tinha acesso apenas aos seriais, que se iniciam sempre com 37 para este tipo de cartão. Não sabia, portanto, de qual empresa roubava, apenas a certeza de que eram americanas ou europeias. Mas justo no Brasil, o sequencial que obteve foi extraído automaticamente no sistema de uma empresa multinacional… brasileira, com sede em São Paulo. Trata-se de uma grande operadora de turismo que não deu autorização para ser identificada.
Desconfiado com os altos gastos do rapaz playboy e solitário, o gerente do hotel de Brasília foi conferir a procedência do ‘funcionário’. Nestes casos, Douglas usava um serviço de siga-me, direto para o seu computador, dos números de telefones das multinacionais cadastrados nos sites das operadoras. Desta vez, porém, o sequencial do cartão não emitiu o telefone da empresa. Douglas arriscou permanecer com o número, que fora repassado por um dos comparsas direto de Nova York.
Após contato com a operadora do cartão, o gerente do hotel ligou para a empresa com sede na capital paulista. O dono confirmou que o cartão era seu, negou que Douglas fosse funcionário e confirmou o golpe, explica o delegado. De posse da carta enviada pela empresa de turismo, Douglas foi preso em flagrante, e desde então veio à tona o sofisticado esquema, e grandes revelações.
No depoimento que prestou ao delegado em Brasília, Douglas também confessou que fretava jatinhos entre São Paulo e Rio, para passear com amigos e namoradas. E para o exterior, só viajava de primeira classe. Sua passagem de Brasília para Nova York, no voo que pegaria amanhã, custou R$ 17 mil.
Risco da operação abafa
A Interpol já entrou no caso. Agentes representantes do escritório no Brasil passaram pela 5ª DP, onde foi registrado o B.O., para saber detalhes e acionar o FBI. A polícia americana também vai investigar a quadrilha de Douglas nos EUA. O jovem brasileiro tem uma foto com um cartão de congratulações assinado por ninguém menos que o presidente Barack Obama. Honraria concedida a poucos, como os que participam de eventos com o presidente, há suspeita de que Douglas pode ter usado um dos cartões para entrar num jantar de arrecadação de campanha à reeleição do americano.
No entanto as investigações podem brecar numa barreira imposta pelas próprias vítimas, as empresas internacionais dos cartões de crédito lesadas. A investigação nos EUA e Europa, onde Douglas cometeu golpes, só pode se iniciar se as operadoras registrarem queixa do golpe financeiro, porque o brasileiro não tem vítimas com as quais teve contato. Todas as despesas foram pagas pelos cartões.
Logo, a Interpol deve ser provocada, do contrário Douglas responderá apenas pelo crime em território nacional, e sua quadrilha – com outros jovens hackers americanos – pode sair ilesa. Uma fonte especialista em crimes financeiros procurada pela reportagem diz que há esse risco, porque as operadoras podem optar por bancar o prejuízo para os clientes e evitar o caso policial. Desta forma, não mancham a imagem das empresas no mercado e revelam a vulnerabilidade dos seus sistemas, o que traria para elas exposição desnecessária e prejuízos financeiros maiores.