A Coluna consultou o advogado Fernando Tibúrcio Peña, com experiência em temas de direito internacional dos direitos humanos, que considerou viável do ponto de vista jurídico a tese de seus colegas paulistas:
“A tese dos meus colegas paulistas é bastante interessante. O envio generalizado e sistemático de refugiados, principalmente haitianos e senegaleses, do Acre para outros estados brasileiros poderia sim se encaixar na definição de ‘crimes contra a humanidade’, uma vez que há elementos no caso concreto que nos levam a especular que a prática caracterizaria a ‘Deportação ou transferência forçada de uma população’ (art. 7º, d, do Estatuto do Tribunal Penal Internacional), ou seja, ‘o deslocamento forçado de pessoas, através da expulsão ou outro ato coercivo, da zona em que se encontram legalmente, sem qualquer motivo reconhecido no direito internacional’.
Caso levada ao TPI, a discussão iria muito provavelmente girar em torno do fato de se as autoridades, ao desempenhar um papel ativo na decisão de custear as despesas de viagem e na coordenação das transferências, praticaram ou não o ‘ato coercivo’ a que se refere o Estatuto de Roma. Independente dessa discussão, uma coisa me parece certa: uma população em estado de extrema vulnerabilidade, como é exatamente o caso, não está em condições de se opor a uma estratégia dessa natureza − seja ela perpetrada por entidades governamentais ou por particulares mal-intencionados − e por isso mesmo cabe à essas mesmas autoridades protegê-la. Não podem jamais deixá-la à própria sorte e muito menos embarcá-la numa nova jornada rumo ao imponderável. São um tanto frágeis, ao meu ver e pelos motivos apontados, as alegações de que os refugiados teriam deixado o Acre por livre e espontânea vontade.
Seria até possível, em tese, transferir os refugiados para outras regiões do País sem que isso por si só constituísse uma afronta ao direito internacional, desde que condições adequadas de assistência tivessem sido viabilizadas com anterioridade nos locais de destino, o que ficou patente não haver ocorrido (segundo o secretário de Direitos Humanos e Cidadania do município de São Paulo, Rogério Sottili, os haitianos estão sendo ‘despejados’ na capital paulista).
Em termos práticos é difícil que Fatou Bensouda, Procuradora do TPI, dê seguimento a uma representação nesse sentido. A Senhora Bensouda têm inúmeros casos de violação sistemática de direitos humanos, mais graves inclusive, com que se preocupar e infelizmente o Tribunal ainda não foi ousado o suficiente para abrir uma investigação oficial fora das fronteiras da África.
Mais factível é levar o caso ao conhecimento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e discutir o assunto dentro do campo da proteção da honra e da dignidade, especialmente no que diz respeito ao dispositivo da Convenção Americana sobre Direitos Humanos que repele a ingerência arbitrária ou abusiva na vida privada (art. 11, 2).”